Bem do jeito que Netanyahu faz em Gaza contra os palestinos, e Tarcísio faz em São Paulo contra a população pobre, preta e periférica do estado de São Paulo
A cada ano que passa a tradicional “Marcha para Jesus” se transforma num evento político onde o suposto homenageado, além de ficar em último plano, tem o seu evangelho distorcido e adaptado aos interesses das elites do país, que costumam apresentar um candidato a Messias como protetor de seus privilégios econômicos e sociais. Uma espécie de salvador de almas ricas e milionárias. Jesus, que nunca se aliou às elites de seu tempo, hoje se vê obrigado a fingir que não está entendendo nada para salvar a própria pele, caso pretenda voltar à terra algum dia sem correr o risco de ser morto novamente. Na edição deste ano, Tarcísio de Freitas foi o Cristo da vez, e não decepcionou aqueles que o enviaram. Enrolado na bandeira de Israel, um símbolo de opressão e genocídio nos tempos atuais, ele iniciou a sua participação na marcha cantando um louvor. Curiosamente, um dos versos de “1000 graus”, a canção gospel escolhida pelo atual líder do império bandeirante, diz que “mesmo estando em guerra, vou celebrando minha vitória”, mais uma prova de que a marcha em questão não é para o pacifista Jesus de Nazaré, mas para o deus de Israel, o mesmo que no Antigo Testamento ordenava o extermínio de povos que ele julgava obstáculos para o seu projeto de poder, sem poupar mulheres, crianças e animais. Bem do jeito que Netanyahu faz em Gaza contra os palestinos, e Tarcísio faz em São Paulo contra a população pobre, preta e periférica do estado. Os fiéis eleitores presentes à marcha para o genocídio, que em outras edições tinham Bolsonaro como seu salvador, louvaram a presença do novo Messias e cantaram junto com ele o hino de extermínio aos mais pobres e a sua presença indesejável na sociedade. Mil graus pode ser a temperatura da munição da Polícia Militar de São Paulo, que costuma alvejar corpos pretos e periféricos e oferecê-los em sacrifício ao deus de Israel em nome da limpeza social e étnica da sociedade. Mil graus também pode ser a temperatura do fogo que queimou a cruz durante uma cerimônia de formação de policiais do 9º Batalhão de Ações Especiais, de São José do Rio Preto, que recorreram a uma estética supremacista utilizada pela Ku Klux Klan para celebrar a sua vitória na guerra contra a população preta e pobre da cidade. Tarcísio de Freitas, assim como seu aliado israelense, Benjamin Netanyahu, tem um holocausto para chamar de seu através de sua política de segurança pública. Seus eleitores e fiéis o aplaudem porque ele executa através de seu governo, um genocídio que eles aprovam, e que, talvez, gostariam de executar com as próprias mãos. Pelo mesmo motivo e desejo, boa parte do povo de Israel apoia a política de extermínio adotada por Netanyahu contra o povo palestino. Quanto mais mortes de pobre e periféricos, mais deus é louvado na marcha para o genocídio. Como diz outro trecho do louvor cantado por Tarcísio, “o fogo cai a igreja canta. O inimigo vai ao chão! Fogo e glória nas cabeças. Mil graus de unção, mil graus de unção!” A morte dos indesejáveis é a unção oferecida pelo deus das elites que comanda o sistema de poder religioso que entroniza Tarcisio como o seu mais novo salvador. Enquanto o preto e o favelado, os inimigos do Estado genocida, vão ao chão sob o fogo da PM, a elite dá glórias em nome daquele que governa para estabelecer a paz nos jardins. Em clima de campanha à presidência, Tarcísio, assim como os demais presentes, exibiu no palanque toda a sua dualidade de caráter ao marchar para Jesus empunhando a bandeira de Israel. Eu confesso que não sei se é uma questão de ignorância histórica ou deficiência cognitiva, o que leva muitos evangélicos a se unirem à nação que matou o homem que eles dizem adorar como senhor e salvador de suas vidas, e segue matando os seus compatriotas palestinos. A única certeza que tenho é a de que os organizadores de tal marcha sabem muito bem a quem estão servindo e quem querem exterminar. Em sua 33ª edição, a mesma idade que Jesus morreu, a marcha para o genocídio sepulta Bolsonaro e o relega a condição de ex escolhido por Deus para salvar o país. Uma morte terrível para aquele que um dia foi o messias de uma multidão alienada em nome de Jesus, e cuja fé é depositada inconscientemente no poder do diabo. “Viva a cultura gospel, viva a Marcha para Jesus, viva a Renascer Praise, viva São Paulo”, bradou Tarcísio de Freitas, que também anunciou que a Marcha para Jesus se tornaria patrimônio imaterial de São Paulo. A elite, os genocidas, os charlatões e os alienados estão em festa. A morte segue a mil graus impondo uma guerra contra a vida e tendo em Tarcísio o candidato do genocídio dos inimigos do deus das elites. Um deus que odeia pobre, preto, favelado, palestino e a todos que lembrem a figura humana de Jesus Cristo.
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