Radicais durante invasão das sedes dos três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023 Foto: Wilton Junior/Estadão
As postagens arquivadas contêm mais de 500 mil fotos e 100 mil vídeos. O conteúdo foi recolhido a partir de monitoramento das redes sociais mais utilizadas no País — Facebook, Instagram, X, YouTube, TikTok e Kwai — e de outras mais alternativas, como BitChute, Gettr, Rumble, Odysee e Altcensored
Vídeos, textos e fotos de mais de um milhão de postagens relacionadas aos atos de depredação dos prédios dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, estarão disponíveis para pesquisadores a partir desta segunda-feira (27/10). O acervo foi coletado nas redes sociais entre outubro de 2022 e fevereiro de 2023, em um esforço para manter preservados registros que, em boa parte, já não estão na internet — seja por ação dos próprios usuários ou devido às políticas de governança das plataformas digitais. O projeto Acervo Digital 8 de Janeiro foi desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em parceria com o Instituto Democracia em Xeque e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI). As postagens arquivadas contêm mais de 500 mil fotos e 100 mil vídeos. O conteúdo foi recolhido a partir de monitoramento das redes sociais mais utilizadas no País — Facebook, Instagram, X, YouTube, TikTok e Kwai — e de outras mais alternativas, como BitChute, Gettr, Rumble, Odysee e Altcensored. O projeto não tem fins lucrativos. Em atendimento à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), não há identificação das contas que fizeram as postagens. O coordenador do projeto, Marcelo Alves, diz que o objetivo principal é a preservação da memória histórica e o fomento à pesquisa científica de aspectos relacionados aos atos de 8 de Janeiro. Alves é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio e coordenador de metodologia do Instituto Democracia em Xeque. “A missão mais importante do projeto é preservar para as próximas décadas textos, discursos e imagens que têm sido apagadas em uma onda negacionista de dizer que aquilo não aconteceu, que as pessoas estavam ali com um intuito que não era o de dar um golpe de Estado”, afirmou. O painel interativo da plataforma permite filtrar a busca por assuntos como pedidos de intervenção militar, de derrubada da Constituição Federal ou mesmo de guerra civil. Também é possível encontrar postagens relacionadas às urnas eletrônicas e ao artigo 142, que foi amplamente interpretado de forma enganosa como se fosse uma previsão legal para uma intervenção das Forças Armadas após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Veja abaixo um exemplo de busca pelo termo “artigo 142? no botão “narrativas” da plataforma. O resultado mostra uma linha do tempo com postagens a partir do início de outubro de 2022. Um dos picos de publicações se verifica no fim daquele mês, quando Lula venceu o segundo turno da disputa presidencial. “Qualquer palavra de interesse pode ser utilizada na busca, como ‘intervenção’, ‘fraude’, ‘urnas’ etc”, explicou Alves. Os metadados das postagens que compõem o acervo foram preservados. Eles permitem analisar não apenas data e horário das publicações, mas também o alcance, com número de visualizações, curtidas, comentários e compartilhamentos. “Por exemplo, é possível fazer um recorte de todas as transmissões em tempo real durante o 8 de janeiro e saber quantos milhões de visualizações foram produzidas naquele momento”, destacou Alves. Outra possibilidade é segmentar a busca por vídeos transmitidos de dentro dos acampamentos em quartéis militares após a derrota de Bolsonaro nas eleições. “Há uma série de vídeos e lives que cobrem esses acampamentos, que mostram o dia a dia”, disse Alves. “No acampamento de Brasília havia uma tenda estruturada especificamente para a produção de podcasts. Nós temos todo esse material, que mostra como esses movimentos se organizavam, como se articulavam midiaticamente e quais os discursos que pautavam a ação política naquele momento.”
Acesso limitado a pesquisadores
Marcelo Alves explicou que o acesso completo ao banco de dados do Acervo Digital 8 de Janeiro é voltado especificamente para pesquisadores, que devem submeter um projeto de pesquisa. Em seguida, será preciso preencher formulário de solicitação de acesso e assinar termo de responsabilidade, assegurando o uso ético e científico do material. O contato deve ser feito pelo e-mail acervo08jan@puc-rio.br. “O acervo é destinado a projetos de mestrado e doutorado, iniciações científicas orientadas por professores e artigos científicos nacionais e internacionais nas áreas de história, ciência política ou sociologia, por exemplo”, listou Alves. A imprensa pode ter acesso ao material, porém de forma indireta. O coordenador explica que a demanda deve ser enviada à equipe do projeto, que fará uma análise no acervo e enviará um relatório ao jornalista interessado. Processo semelhante envolverá pedidos de cineastas. “Muitos documentaristas já buscaram a gente.” Por outro lado, haverá no site do projeto coleções com acesso público a qualquer interessado. A primeira, antecipa Alves, reúne 500 panfletos com convocatórias para os atos de 8 de janeiro.
Os ataques do 8 de Janeiro
Em 8 de janeiro de 2023, pessoas insatisfeitas com o resultado das eleições presidenciais de 2022 invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, em Brasília. Os vândalos partiram do Quartel-General do Exército. Relatórios de inteligência mostraram que cerca de cem ônibus com 3,9 mil pessoas chegaram a Brasília naquele dia com disposição para retomar os protestos de rua contra a eleição de Lula. Como mostrou o Estadão, a invasão vinha sendo preparada por extremistas leais ao ex-presidente Bolsonaro desde o dia 3 de janeiro. Na ocasião, radicais começaram a divulgar mensagens em aplicativos como o Telegram e o WhatsApp para trazer manifestantes de todo o País para a capital federal, com todas as despesas pagas. Até agosto deste ano, o STF já havia julgado e condenado 638 acusados de participação nos atos por crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa e deterioração de patrimônio público. Bolsonaro e outros integrantes da cúpula de seu governo foram condenados pelos mesmos crimes.


