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Em dia histórico para o país, o placar da 1ª Turma do STF terminou em 4 a 1 pela condenação do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL-RJ) na ação penal por trama golpista. Para especialistas ouvidos pela RFI, o resultado mostra que as instituições seguem firmes na defesa da democracia no Brasil. O ministro Cristiano Zanin, presidente da 1ª Turma do STF, foi o último a votar na sessão desta quinta-feira (11/9) que condenou Bolsonaro e mais sete réus por vários crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado. Zanin acatou a “procedência integral das acusações” e afirmou que a responsabilização dos envolvidos na tentativa de ruptura institucional é um “elemento fundamental para a pacificação nacional e a consolidação do Estado democrático de Direito”. Mas a maioria para a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus no processo já havia sido formada pelo voto anterior da ministra Carmen Lúcia, para quem há ‘prova cabal’ de que os acusados atacaram as instituições democráticas. “Esse julgamento do Supremo Tribunal Federal é histórico por vários aspectos. O mais importante deles é porque atinge uma tentativa de golpe de Estado e isso difere da experiência republicana brasileira, que sempre foi condescendente com os golpistas, sobretudo aqueles vindos das Forças Armadas”, analisou o historiador Antonio Barbosa da Universidade de Brasília (DF). Além de Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, o general Augusto Heleno, o almirante Almir Garnier, o deputado federal Alexandre Ramagem, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e o ex-ministro Anderson Torres foram acusados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Carmen Lúcia disse na sessão desta quinta-feira que o grupo “desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, minar o livre exercício dos demais Poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário.” A ministra afirmou também que “o que há de inédito, talvez, nessa ação penal, é que nela pulsa o Brasil que me dói”. A sessão foi marcada pela reação dos ministros ao colega Luís Fux, que ontem usou toda a sessão, de manhã até à noite, para apresentar seu voto, discordando dos demais. Já era esperado que Fux faria um contraponto, porém a forma como ele leu voto, sem permitir apartes, com palavras duras atribuídas ao relatório de Alexandre de Moraes gerou tensão na corte e municiou o coro dos bolsonaristas em defesa de uma anistia ou ao menos uma redução de penas, propostas que vire e mexe ganham força no Congresso Nacional. O ministro Alexandre de Moraes chegou a exibir vídeos com discursos públicos de Bolsonaro, quando era presidente da República, criticando o STF. Um dos pontos mais criticados por Fux foi o julgamento pela Suprema Corte de pessoas que não tem mais foro, argumento rebatido por Carmen Lúcia: “Sempre votei do mesmo jeito. Sempre entendi que a competência era do STF”. “O valor do voto da ministra Carmen Lúcia reside no recado de que democracia do país não está fragilizada e à mercê de tumultos ou orquestrações de qualquer natureza contra ela. E que a classe política precisa entender e respeitar que a única forma de acesso ao poder é através do voto popular nas urnas”, declarou o cientista político e professor da ESPM Alexandre Bandeira. A 1ª Turma do STF deve ainda se reunir para analisar a chamada dosimetria, que é a definição das penas a serem atribuídas para cada um dos acusados pela prática dos crimes.
Penas impostas pelo STF aos outros condenados pela trama golpista
O Supremo Tribunal Federal condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) a 27 anos e 3 meses de prisão por liderar uma organização criminosa voltada à tentativa de golpe de Estado, em julgamento histórico que também atingiu aliados políticos e militar. A Corte fixou penas severas para ex-ministros, generais e colaboradores diretos do ex-capitão, todos considerados partícipes da trama que visava abolir o Estado Democrático de Direito.

Mauro Cid
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro foi beneficiado pela colaboração premiada homologada pelo Supremo. Alexandre de Moraes fixou a pena em dois anos de prisão em regime aberto, com extensão dos benefícios a seu pai, sua esposa e sua filha sua filha maior de idade, além da inclusão no programa de proteção da Polícia Federal. O relator ressaltou que, assim como não cabe indulto presidencial ou anistia do Congresso em crimes contra a democracia, tampouco cabe perdão judicial do Judiciário. Todos os ministros acompanharam o voto. Flávio Dino destacou que o Estado deve ““honrar a necessidade do fortalecimento” da delação premiada como instrumento de desmontagem de organizações criminosas.
Walter Braga Netto
Ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, Braga Netto recebeu uma das penas mais duras: 26 anos de prisão, sendo 24 anos de reclusão em regime fechado e 2 anos de detenção, além de 100 dias-multa de um salário mínimo cada. Moraes considerou a atuação de Braga Netto central nos planos golpistas, incluindo o chamado “Copa 2022” e o “Punhal Verde e Amarelo”. Flávio Dino havia proposto pena de mais de 30 anos, mas se adequou ao cálculo do relator. Luiz Fux, que divergiu em relação a outros réus, condenou Braga Netto especificamente pelo crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, fixando fixando pena de 7 anos em regime fechado.
Anderson Torres
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal no 8 de Janeiro, Anderson Torres foi condenado a 24 anos de prisão, sendo 21 anos e 6 meses de reclusão e 2 anos e 6 meses de detenção, além de 100 dias-multa. Moraes destacou que, como delegado da Polícia Federal e ocupante de cargos estratégicos, Torres tinha “circunstâncias totalmente desfavoráveis” e papel ativo na omissão que permitiu a invasão e destruição das sedes dos Três Poderes. A pena foi confirmada pelos demais ministros.
Almir Garnier
O ex-comandante da Marinha foi condenado à mesma pena de Anderson Torres: 24 anos de prisão, em regime inicial fechado. Para Moraes, a recusa de Garnier em transmitir o cargo em dezembro de 2022 foi um recado de que ainda havia espaço para a deflagração de um golpe. O ministro fixou a pena de 21 anos e 6 meses de reclusão e 2 anos e 6 meses de detenção, além de 100 dias-multa. O restante do colegiado acompanhou integralmente.
Augusto Heleno
Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva, Augusto Heleno foi condenado a 21 anos de prisão em regime fechado. Moraes destacou que Heleno manteve contato direto com Bolsonaro durante todo o período da da conspiração e que sua posição de respeito nas Forças Armadas agravava sua culpabilidade. A pena foi atenuada em alguns pontos pela idade superior a 70 anos, mas ainda assim considerada grave diante da liderança exercida na organização criminosa.
Paulo Sérgio Nogueira
Ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira foi condenado a 19 anos de prisão em regime fechado. Moraes considerou que, embora tenha tentado demover Bolsonaro em alguns momentos, sua participação foi decisiva nas negociações que sustentaram o plano golpista, inclusive na apresentação da chamada “minuta do golpe”. Flávio Dino inicialmente propôs 19 anos, e Moraes reduziu parte da pena para ajustar ao consenso do colegiado. Cármen Lúcia e Cristiano Zanin acompanharam essa redução.
Alexandre Ramagem
Ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência e hoje deputado federal, Alexandre Ramagem foi condenado a 16 anos, 1 mês e 15 dias de prisão em regime fechado, além de 50 dias-multa de um salário mínimo cada. Alexandre de Moraes havia inicialmente fixado a pena em 17 anos, mas, após pedido de Cármen Lúcia, reduziu o tempo para adequar a dosimetria, especialmente no crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, cuja pena foi recalculada para para 4 anos e 3 meses. Os demais ministros acompanharam a decisão.