‘Trump virou a página sobre Bolsonaro’, diz ex-embaixador dos EUA no Brasil (Foto: ROOSEWELT PINHEIRO ABr )
247 – Após semanas de tensão que levaram Brasil e Estados Unidos ao pior momento de sua relação em décadas, os governos dos dois países começam a dar sinais de reaproximação. os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump voltaram a conversar por telefone e há planos para um encontro presencial neste final de semana, durante a cúpula da ASEAN na Malásia. Nesta linha, o ex-embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, apontou dois fatores principais para essa nova fase: o reconhecimento de Trump de que não conseguiria interferir no processo judicial de Jair Bolsonaro e o impacto das tarifas sobre empresas e consumidores nos EUA. “Trump sabe que sua tentativa de proteger Bolsonaro da prisão e garantir que ele pudesse disputar eleições fracassou”, afirmou Shannon em entrevista à BBC News Brasil.
Mudança de tom na diplomacia
Shannon ressaltou que os gestos diplomáticos recentes — telefonema entre os presidentes, planejamento de reuniões e sinalização de reforço na relação — são expressivos. “Os gestos feitos por ambos os presidentes são importantes, porque sinalizam a direção que desejam tomar na relação. Estou bastante otimista com essa retomada”, declarou. De acordo com o diplomata, Trump percebeu que as tarifas ao Brasil poderiam provocar efeitos negativos também no mercado americano. “O presidente foi exposto, por meio do setor privado americano, a uma espécie de curso intensivo sobre o impacto que essas tarifas teriam no dia a dia de muitos americanos”, disse Shannon.
Interferência no Brasil e limitação dos EUA
Questionado sobre os esforços de Trump para intervir nos processos envolvendo Bolsonaro, Shannon foi direto: “Sim, isso é página virada — e pelas ações das instituições brasileiras”. O diplomata destacou que o Supremo Tribunal Federal deixou claro que prosseguiria com as acusações e a inelegibilidade de Bolsonaro, o que limitou a ação dos EUA. Embora Trump valorize a lealdade e não deseje abandonar Bolsonaro pessoalmente, Shannon observou que o foco mudou: “Ele valoriza a lealdade e quer deixar claro que não vai abandonar Bolsonaro — mesmo que não possa mais ajudar”.
Sanções e foco na economia
Apesar de a diplomacia brasileira e estadunidense adotarem um tom mais ameno, o ex-embaixador acredita que as sanções estadunidenses a ministros do STF e outras figuras políticas no Brasil seguirão em vigor. “Ficaria muito surpreso se houvesse algum avanço sobre as sanções do tipo Magnitsky ou sobre a revogação de vistos”, afirmou, ressaltando que “a principal preocupação no momento é o impacto econômico das tarifas”. Ele acrescentou que se nada ocorrer com as tarifas, não estaria claro o sentido da mudança de postura. “Se nada acontecer com as tarifas, qual foi o motivo dessa mudança na postura?” Segundo o diplomata, o encontro entre Trump e Lula na Assembleia Geral da ONU foi um marco e ajudou a mudar o tom das conversas bilaterais.
Influência do setor privado e nova agenda
Shannon ainda destacou o papel do setor privado na reaproximação bilateral. “Não há dúvida de que a principal fonte de informação para o presidente provavelmente foram empresas com acesso direto à Casa Branca”, declarou. Ele enfatizou que a presença econômica do Brasil nos EUA, ainda que pouco reconhecida, possui força relevante em momentos de crise diplomática.
Marco Rubio e relação com o Brasil
Sobre a nomeação de Marco Rubio como secretário de Estado e conselheiro de segurança nacional dos EUA para as negociações com o Brasil, Shannon considera que o presidente Trump está enviando uma mensagem clara. “Rubio é a autoridade mais importante em política externa, e sua designação demonstra que o presidente quer uma relação sólida com o Brasil”. Ele concluiu que, embora divergências ideológicas existam dentro do governo americano, o pragmatismo econômico deve prevalecer: “O presidente é quem decide. Ele ouve todos os lados e determina qual será a política dos Estados Unidos da América (EUA). Essas diferenças são saudáveis”.


